
[…]
Mais formidável se revela,
E mais ameaça, e mais assombra
A uivar, a uivar, dentro da sombra
Nas fundas noites de procela.
Tremendo e próximo se escuta
Varrendo a noite, enchendo o ar,
Como o fragor de uma disputa
Entreo tufão, o céu e o mar.
Em cada ríspida rajada
O vento agride o mar sanhudo:
Roça-lhe a face, com o agudo
Sibilo de uma chicotada.
De entre a celeuma, um estampido
Avulta e estoura, alto e maior,
Quando, tirano enfurecido,
Troveja o céu ameaçador.
De quando em quando, um tênue risco
De chama vem, da sombra em meio...
E o mar recebe em pleno seio
A cutilada de um corisco.
Mas a batalha é sua, vence-a:
Cansa-se o vento, afrouxa... e assim
Como uma vaga sonolência
O luar invade o céu sem fim...
Donas do campo, as ondas rugem;
E o monstro impando de ousadia,
Pragueja, insulta, desafia
O céu, cuspindo-lhe a salsugem.
Vicente de Carvalho
In ‘Poemas e Canções’ (1908)
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