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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

AS NUVENS


As nuvens
não têm preocupação estética.
Sou eu
que as organizo
para meu regozijo esperto.

Elas simplesmente se desfazem
e nem disto sabem
mas eu as estudo, eu as apuro
como Turner
e alguns poetas
que organizaram o entardecer.

A natureza
não tem preocupações morais.
A natureza não mata
nem odeia.

Ou melhor:

mata e ama
de igual maneira
e todo movimento
é desejo
de viver.

A morte
é apenas uma forma estranha
da vida

se refazer.

Affonso Romano de Sant'Anna
In Sísifo desce a montanha

sexta-feira, 15 de abril de 2011

TREVA...


Acende a lanterna da Tua graça
na floresta funda
para que eu ache o caminho
da Tua casa perdida entre penumbras tão distantes...

Acende a lanterna da Tua graça,
por que não há trilhos mais ásperos
nem mais secretos precipícios
do que os da floresta funda.
Nem distâncias que se prolonguem tão desesperantemente,
nem medo tão longo de ficar-se perdido para sempre...

Acende a lanterna da Tua graça,
porque para os meus olhos se apagaram
todas as paisagens lúcidas.
Porque a minha treva transbordou de dentro de mim mesmo
sobre as coisas do mundo..."


Tasso da Silveira

PÃO E VINHO


A alegria vive de pão e vinho.
Do pão dourado vindo do trigo puro
dos trigais que o sol dourou longamente.
Do vinho dourado vindo da uva casta
dos vinhedos que o sol longamente dourou.
No pão e no vinho há carne e sangue de sol.
E sob a benção eterna
há Carne e Sangue do Senhor.
A alegria viva de pão e vinho.
A alegria de agora e a alegria de todo o Sempre.


Tasso da Silveira
Poemas de Antes – l.966 –

MISSA


Na singela capela
há um pêndulo oficiante.
Enquanto no altar claro
o sacerdote invoca o Eterno,
em cânticos ardentes
e inenarráveis gemidos
o pêndulo vai marcando,
vai contando
inexoravelmente
os minutos perdidos.


Tasso da Silveira
Poemas de Antes – l.966 –

PASSADO


Sobre a amplidão desta água, em noites que passaram,
olhos no alto, a seguir as estrelas em bando,
eu escutei do Mar as canções que ficaram
por toda a minha vida em minha alma cantando...
Eu deixara na Terra olhos por mim chorando...
Foram mágoas cruéis as que me apunhalaram!
A terra era a alegria... Era a ventura... Ah! Quando
eu a perdi de vista, os meus olhos choraram...
E cismei: – é o passado essa longínqua praia
que foge mais e mais, e se perde, e desmaia
no longínquo horizonte, ao nosso triste olhar...
E vamos sem parar pela viagem da vida.
Porém, quanto maior é a estrada percorrida,
mais torturante na alma é esta ânsia de voltar.


Tasso da Silveira

LUA...


Lua! Canção de mágoa, triste endeixa
de saudade, no azul do céu perdida...
Companheira dos que vão sós na vida,
dos que não têm quem lhes escute a queixa...
O teu frio palor na alma nos deixa
a tristeza profunda e comovida
de quando a alguém a eterna despedida
vamos levar, e um túmulo se fecha...
Errante e só pela infinita altura,
há milênios que vens, ó Lua triste,
iluminando a humana desventura..
E parece que em ti se congelaram
todos os ais de súplica que ouviste
e a ânsia dos olhos todos que te olharam...



Tasso da Silveira

POEMA


Das torres de sombra do crepúsculo
partem os pássaros.
São como setas céleres
que vão ferir a nua espádua
do dia em fuga, além.

Das torres de pedra da urbe oceânica
tombam as horas túmidas.
São como longas, lentas lágrimas
que vão morrer na poeira humílima
de um chão de além.

Das torres de mágoa da alma trêmula
não partem asas fúlgidas
nem tombam prantos recônditos.
Mas sobe o silêncio trágico
para um Além do além.


Tasso da Silveira
Poemas de Antes – l.966 -

OUTONO


O outono é pomo... É puro pomo o outono.
Pomo de sonho e de recolhimento,
pendendo, longe do amargor violento,
num perdido pomar de sombra e sono.

Há o vento, é certo, o lamentoso vento,
uivando, uivando como cão sem dono.
E a tristeza passando a passo lento
na alameda... E as lembranças. E o abandono.

Mas há também, no outono, essa doçura,
essa total renúncia de oferenda,
esse eterno alheiamento à dor e ao mal,

que faz do pomo uma presença pura
da bondade de Deus na ânsia tremenda,
no degredo da angústia universal.


Tasso da Silveira
Poemas de Antes – l.966 –

PRESENÇA


Em vaga expectação, mudos e moucos,
os solares sem tempo rememoram:
as silhuetas ideais já não afloram,
furtivamente, aos peitoris barrocos.

Os longes campanários se descoram:
a noite plena vem tomando aos poucos.
Sopram sobre a laguna ventos roucos.
Transfigura-se o mundo. As almas oram.

De súbito a um lampejo de lanterna
o silêncio na noite se prosterna,
o canal freme de êxtase ôndula a ôndula:

e sob o arco da ponte grave e queda,
deslizando na líquida alameda,
como uma sombra n’água passa a gôndola.


Tasso da Silveira
Poemas de Antes – 1.966 –

FRONTEIRA


Há o silêncio das estradas
e o silêncio das estrelas
e um canto de ave, tão branco,
tão branco, que se diria
também ser puro silêncio.
Não vem mensagem do vento,
nem ressonâncias longínquas
de passos passando em vão.
Há um porto de águas paradas
e um barco tão solitário,
que se esqueceu de existir.
Há uma lembrança do mundo
mas tão distante e suspensa...

Há uma saudade da vida
porém tão perdida e vaga,
e há a espera, a infinita espera,
a espera quase presença
da mão de puro mistério
que tomará minha mão
e me levará sonhando
para além deste silêncio,
para além desta aflição.



Tasso da Silveira

Publicado no livro Regresso à Origem (1960).
In: POETAS do modernismo: antologia crítica. Org. Leodegário A. Azevedo Filho. Brasília: INL, 1972. v.4, p.74. (Literatura brasileira, 9C)

ENCANTAMENTO


A tarde jogou os seus sete véus luminosos
sobre a montanha,
e ficou toda nua dançando
com sombras de crepúsculo
a escorrerem-lhe, suaves, pela pele dourada...
...e ficou toda nua dançando
na campina
ao som da harpa encantada do silêncio...

Tasso da Silveira
Publicado no livro As Imagens Acesas: Poemas, 1924/1927 (1928).
In: POETAS do modernismo: antologia crítica. Org. Leodegário A. Azevedo Filho. Brasília: INL, 1972. v.4, p.56. (Literatura brasileira, 9C)

2


Na noite transfigurada só ficaram os cedros e os
[ciprestes.
A lua surgiu, mas como, na lembrança, um rosto
[antigo explende palidamente e depois
[se apagou.
O vento veio, mas como um pássaro branco de
[grandes asas fatigadas: esvoaçou, lento
[entre as frondes, pousou no chão e
[adormeceu.
Os outros seres perderam-se no caminho dos
[milênios.
Ficaram apenas os cedros e os ciprestes e, na altura,
[as estrelas.
E para além dos ciprestes e cedros há só deserto e
[esquecimento.



Tasso da Silveira
Poema integrante da série III. Solilóquio.

19


Em todos os perdidos portos do mundo, sob o crepúsculo
balouçam barcos mansamente.
A brisa é uma carícia lenta
nos mastros e nas velas.
A voz da água é um segredo baixinho.
É preciso não acordar os homens.
É preciso que se encha o mundo de doçura infinita,
de infinito silêncio,
porque os homens estão fatigados, fatigados...


Tasso da Silveira
In: SILVEIRA, Tasso da. Puro canto. Il.
Sepp Baendereck. Rio de Janeiro: Org. Simões, 1956. p.35

NOTURNO



Veleiro ao cais amarrado
em vago balouço, dorme?
Não dorme. Sonha, acordado,
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.

Se acaso me objetardes
que veleiro não é gente
e, assim, não sonha nem sente,
sem orgulhos nem alardes
eu direi: por que haveria
de falar-vos do homem triste
mas de olhar grave e profundo
que, à amargura acorrentado
sonha, no entanto, que vive
toda a beleza do mundo?

Melhor é dizer: Veleiro...
veleiro ao cais amarrado,
sob as límpidas estrelas.
Vela branca é uma alma trêmula,
sobretudo se cai sombra
do alto abismo constelado.
Veleiro, sim, que não dorme
mas na silente penumbra
sonha, ao balouço, acordado
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.


Tasso da Silveira
In Tasso da Silveira - Poemas
Organização e seleção de Ildásio Tavares
ABL/Edições GRD, São Paulo, 2003

...


Antes de morrer, em 22 de abril de 1924, Vicente de Carvalho tomou todas as providências finais, não esquecendo sequer de deixar dinheiro para as primeiras despesas. No seu túmulo foram gravados estes versos de sua autoria:

"O derradeiro sono eu quero assim dormi-lo:
Num largo descampado
Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquilo
E a primavera ao lado."

Sugestões do Crepúsculo


Estranha voz, estranha prece
Aquela prece e aquela voz,
Cuja humildade nem parece
Provir do mar bruto e feroz;

Do mar, pagão criado às soltas
Na solidão, e cuja vida
Corre, agitada e desabrida,
Em turbilhões de ondas revoltas;

Cuja ternura assustadora
Agride a tudo que ama e quer,
E vai, nas praias onde estoura,
Tanto beijar como morder...

Torvo gigante repelido
Numa paixão lasciva e louca,
É todo fúria: em sua boca
Blasfema a dor, mora o rugido.

Sonha a nudez: brutal e impuro,
Branco de espuma, ébrio de amor,
Tenta despir o seio duro
E virginal da terra em flor.

Debalde a terra em flor, com o fito
De lhe escapar, se esconde — e anseia
Atrás de cômoros de areia
E de penhascos de granito:

No encalço dessa esquiva amante
Que se lhe furta, segue o mar;
Segue, e as maretas solta adiante
Como matilha, a farejar.

E, achado o rastro, vai com as suas
Ondas, e a sua espumarada
Lamber, na terra devastada,
Barrancos nus e rochas nuas...

Vicente de Carvalho
In ‘Poemas e Canções’ (1908)

Sugestões do Crepúsculo


[…]
Mais formidável se revela,
E mais ameaça, e mais assombra
A uivar, a uivar, dentro da sombra
Nas fundas noites de procela.

Tremendo e próximo se escuta
Varrendo a noite, enchendo o ar,
Como o fragor de uma disputa
Entreo tufão, o céu e o mar.

Em cada ríspida rajada
O vento agride o mar sanhudo:
Roça-lhe a face, com o agudo
Sibilo de uma chicotada.

De entre a celeuma, um estampido
Avulta e estoura, alto e maior,
Quando, tirano enfurecido,
Troveja o céu ameaçador.

De quando em quando, um tênue risco
De chama vem, da sombra em meio...
E o mar recebe em pleno seio
A cutilada de um corisco.

Mas a batalha é sua, vence-a:
Cansa-se o vento, afrouxa... e assim
Como uma vaga sonolência
O luar invade o céu sem fim...

Donas do campo, as ondas rugem;
E o monstro impando de ousadia,
Pragueja, insulta, desafia
O céu, cuspindo-lhe a salsugem.

Vicente de Carvalho
In ‘Poemas e Canções’ (1908)

Sugestões do Crepúsculo


[...]
A alma raivosa e libertina
Desse tenaz batalhador
Que faz do escombro e da ruína
Como os troféus do seu amor;

A alma rebelde e mal composta
Desse pagão e desse ateu
Que retalia e dá respostas
À mesma cólera do céu;

A alma arrogante, a alma bravia
Do mar, que vive a combater,
Comove-se à melancolia
Conventual do entardecer...

No seu clamor esmorecido
Vibra, indistinta e espiritual,
Alguma coisa do gemido
De um órgão numa catedral.

E pelas praias aonde descem
Do firmamento - a sombra e a paz;
E pelas várzeas que emudecem
Com os derradeiros sabiás;

Ouvem os ermos espantados
Do mar contrito no clamor
A confidência dos pecados
Daquele eterno pecador.

Escutem bem... Quando entardece,
Na meia-luz crepuscular
Tem a toada de uma prece
A voz tristíssima do mar...

Vicente de Carvalho
In ‘Poemas e Canções’ (1908)

A FLOR E A FONTE


"Deixa-me, fonte!" Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.

"Deixa-me, deixa-me, fonte!"
Dizia a flor a chorar:
"Eu fui nascida no monte...
"Não me leves para o mar".

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

"Ai, balanços do meu galho,
"Balanços do berço meu;
"Ai, claras gotas de orvalho
"Caídas do azul do céu!...

Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria
Rolava levando a flor.

"Adeus, sombra das ramadas,
"Cantigas do rouxinol;
"Ai, festa das madrugadas,
"Doçuras do pôr do sol;

"Carícia das brisas leves
"Que abrem rasgões de luar...
"Fonte, fonte, não me leves,
"Não me leves para o mar!..."

As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...


Vicente de carvalho

'Spleen'


Fora, na vasta noite, um vento de procela
Erra, aos saltos, uivando, em rajadas e em fúria;
E num rumor de choro, uma voz de lamúria,
Ouço a chuva a escorrer nos vidros da janela.

No desconforto do meu quarto de estudante,
Velo. Sinto-me como insulado da vida.
Eu imagino a morte assim, aborrecida
Solidão numa sombra infinita e constante...

Tu, que és forte, rebrame em fúria, natureza!
Eu, caído num fundo abismo de tristeza,
Invejo-te a expansão livre do temporal;

E, no tédio feroz que me assalta e me toma,
Sinto ansiarem-me n'alma instintos de chacal...
E compreendo Nero incendiando Roma.

Vicente de Carvalho

'Esperança'


Só a leve esperança em toda a vida
disfarça a pena de viver, mais nada;
nem é mais a existência resumida
que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
sonho que a traz ansiosa e embevecida,
é uma hora feliz, sempre adiada
e que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos
árvore milagrosa que sonhamos
toda arriada de dourados pomos

existe sim; mas nós não n´a encontramos,
porque está sempre apenas onde a pomos
e nunca a pomos onde nós estamos.

Vicente de Carvalho

'Dona Flor'


Ela é tão meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepúsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca úmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que é primavera, e que amanhece o dia.

Um rosto de anjo, límpido, radiante...
Mas, ai! sob êsse angélico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher

Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
- Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer...

Vicente de Carvalho

'Velho Tema I'


Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Vicente de Carvalho

'Velho Tema II'


Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
- Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do te beijo.


Vicente de Carvalho

'Velho Tema III'


Belas, airosas, pálidas, altivas,
Como tu mesma, outras mulheres vejo:
São rainhas, e segue-as num cortejo
Extensa multidão de almas cativas.

Tem a alvura do mármore; lascivas
Formas; os lábios feitos para o beijo;
E indiferente e desdenhoso as vejo
Belas, airosas, pálidas, altivas...

Por quê? Porque lhes falta a todas elas,
Mesmo às que são mais puras e mais belas,
Um detalhe sutil, um quase nada:

Falta-lhes a paixão que em mim te exalta,
E entre os encantos de que brilham, falta
O vago encanto da mulher armada.

Vicente de Carvalho

'Velho Tema IV'


Eu não espero o bem que mais desejo:
Sou condenado, e disso convencido;
Vossas palavras, com que sou punido,
São penas verdades de sobejo.

O que dizeis é mal muito sabido,
Pois nem se esconde nem procura ensejo,
E anda à vista naquilo que mais vejo:
Em vosso olhar, severo ou distraído.

Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:
Ao meu amor desamparado e triste
Toda a esperança de alcançar-vos nego.

Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;
Conto-lhe o mal que vejo, e ele que é cego
Põe-se a sonhar o bem que não existe.

Vicente de Carvalho

'Velho Tema V'


"Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amor e de pecado,
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e é meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo,
Este amor criminoso e condenado.

Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito."

Assim penso, assim quero, assim me engano...
Como se não sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.

Vicente de Carvalho

...


Ninguém entenda, embora,
Esse vago clamor, marulho ou versos,
Que sai da tua solidão nas praias,
Que sai da minha solidão na vida...
Que importa? Vibre no ar, acode os ecos
E embale-nos a nós que o murmuramos...
Versos, marulho! Amargos confidentes
Do mesmo sonho que sonhamos ambos!


Vicente de Carvalho
in Poemas e canções, 1908.

...


Mar, belo mar selvagem!
O olhar que te olha só te vê rolando
A esmeralda das ondas, debruada
Da leve fímbria de irisada espuma...
Eu adivinho mais: eu sinto... ou sonho
Um coração chagado de desejos
Latejando, batendo, restrugindo
Pelos fundos abismos do teu peito.

Ah, se o olhar descobrisse
Quanto esse lençol de águas e de espumas
Cobre, oculta, amortalha!... A alma dos homens
Apiedada entendera os teus rugidos,
Os teus gritos de cólera insubmissa,
Os bramidos de angústia e de revolta
De tanto brilho condenado à sombra,
De tanta vida condenada à morte!

***

...


Ah! cavassem-te embora
O túmulo em que vives - entre as mesmas
Rochas nuas que os flancos te espedaçam,
Entre as nuas areias que te cingem...
Mas fosses morto, morto para o sonho,
Morto para o desejo de ar e espaço,
E não pairasse, como um bem ausente,
Todo o infinito em cima de teu túmulo!

Fosse tu como um lago,
Como um lago perdido entre as montanhas:
Por só paisagem - áridas escarpas,
Uma nesga de céu como horizonte...
E nada mais! Nem visses nem sentisses
Aberto sobre ti de lado a lado
Todo o universo deslumbrante - perto
Do teu desejo e além do teu alcance!

Nem visses nem sentisses
A tua solidão, sentindo e vendo
A larga terra engalanada em pompas
Que te provocam para repelir-te;
Nem buscando a ventura que arfa em roda,
A onda elevasses para a ver tombando,
- Beijo que se desfaz sem ter vivido,
Triste flor que já brota desfolhada...

***

Mar...


Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Ouço-te às vezes revoltado e brusco,
Escondido, fantástico, atirando
Pela sombra das noites sem estrelas
A blasfêmia colérica das ondas...

Também eu ergo às vezes
Imprecações, clamores e blasfêmias
Contra essa mão desconhecida e vaga
Que traçou meu destino... Crime absurdo
O crime de nascer! Foi o meu crime.
E eu expio-o vivendo, devorado
Por esta angústia do meu sonho inútil.
Maldita a vida que promete e falta,
Que mostra o céu prendendo-nos à terra,
E, dando as asas, não permite o vôo!

***

quinta-feira, 7 de abril de 2011

VESPERAL


Dentro do véu da tarde silenciosa,
os jardins adormecem a sonhar...
Choram, sonhando, a sorte de uma rosa
que vai morrer nos braços do luar.

Dentro do véu da a tarde silenciosa,
alguém soluça, erguendo os braços no ar,
uma velha balada dolorosa
de um grande amor que ninguém soube amar...

Pela tristeza de um longínquo olhar,
dentro do véu da tarde silenciosa,
beijo uma sombra que me faz chorar.

Canta um repuxo na hora vaporosa...
Quantas flores ainda vão tombar
dentro do véu da tarde silenciosa...

Onestaldo de Pennafort
In Escombros Floridos (1921) e
Poesia (1987)

ILUSÕES PERDIDAS, IMPROVISO


Ao Dr. Cruz Abreu

Eu sonhava! eu sonhava! Assim como falenas
Que o sopro da tormenta espanta em revoadas
As minhas ilusões tão puras, tão serenas.
Fugiram-me uma a uma, à toa dispersadas...

Eu sonhava! eu sonhava! Adeus risos doirados
Devaneios de amor, suaves pensamentos!...
Adeus ! no meu passado eu vejo-vos tombados,
Murchos como os rosais dos fortes ventos !..

Ilusões! Ilusões! oh! borboletas da alma!
Voltai de novo! Sim! trazei-me a calma
De meus sonhos!...Tornai oh! loucas peregrinas!...

Mas não! É tarde! Adeus... Na minha fonte pensa
Cai-me um crepe sombrio, essa tristeza imensa
De um amor que se esb’roa em lúgubres ruínas !


Pethion de Villar
Poesia Completa - 1975

'Procurando estrelas'


Faz frio! vou em busca de agasalho,
oh! lágrimas... (e luto por contê-las!)
olhos abertos, procurando estrelas,
sigo, e na estrada, minha mágoa espalho.

As flores choram lágrimas de orvalho,
lágrimas vivas, trêmulas e, ao vê-las,
vejo toda a criação chorando pelas
folhas a balançar em cada galho.

Sigo tristonho... Baila pelo espaço
o lamento das cousas que ficaram
sem um amor, sequer, para entendê-las.

Deixo um pouco de dor por onde passo...
Paro. Olho o céu. As mágoas debandaram
ante o esplendor do riso das estrelas!


Lago Burnett
In Estrela do Céu Perdido, l949

domingo, 25 de julho de 2010

"CONFIDÊNCIAS"


Eu fui contar, chorando, as minhas penas
Ao velho mar; e as ondas buliçosas,
Julgando que eu diria essas pequenas
Mágoas comuns ou queixas amorosas,

Não quiseram cessar as cantilenas
Que entoavam nas praias arenosas;
Mas, pouco a pouco, imóveis e serenas,
Quedaram todas, por me ouvir ansiosas.

E concluída a narração de tudo,
Mostrou-se o mar ( pois nunca tinha ouvido
História igual ) sombrio e carrancudo.

Depois, rolando as gemedoras águas,
Pôs-se a chorar também compadecido
Das minhas fundas, dolorosas mágoas.


* Antônio Thomaz

*Padre Antônio Thomaz nasceu no dia 14 de setembro de 1868, em Acaraú (Sergipe)
Em Sobral estudou as primeiras letras, latim e francês, entrando para o Seminário de Fortaleza, onde se ordena em 1891.Tendo feito voto de pobreza, Antônio Thomaz passou praticamente toda a sua vida em paróquias do interior, levando vida modesta e apagada, dedicado à missão, escrevendo versos e cuidando dos passarinhos.Após o apostolado, não tanto anônimo por causa do ser poeta, Antônio Thomaz vai morar em Santana. A saúde anda precária e se muda para Sobral e, no fim da vida, para Fortaleza, onde morre no dia 16 de julho de 1941.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Edgar Allan Poe


Nasceu em Boston, 19 de Janeiro de 1809 —
Feleceu em Baltimore, 7 de Outubro de 1849- EUA
foi um escritor, poeta, romancista, crítico literário e editor estado-unidense.
Poe é considerado, juntamente com Jules Verne, um dos precursores da literatura de ficção científica e fantástica modernas. Algumas das suas novelas, como The Murders in the Rue Morgue, The Purloined Letter e The Mystery of Marie Roget, figuram entre as primeiras obras reconhecidas como policiais, e, de acordo com muitos, as suas obras marcam o início da verdadeira literatura norte-americana.


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sexta-feira, 12 de março de 2010

NOITE EXAUSTA


(Foto by Darek Marcinkowski)


Morde o vento da noite
uma queixa abafada
pelas folhas. No pó
caem gotas pesadas.


Nos rostos muros brotam
musgos e samambaias.
Anciãos silenciosos
se agacham nos umbrais.


Mãos retorcidas pousam
sobre os joelhos duros,
entregues ao descanso
enquanto vão murchando.


Enormes gralhas voam
por sobre o cemitério.
Samambaias e musgos
nos rasos morros medram.



Hermann Hesse
In: Andares Antologia Poética
Tradução: Geir Campos

Photographer’s Note;
Old Cemetery in Ogrodowa St.
Catholic, Evangelical and Orthodox. The elaborate tombs embraced by a splendor of trees and shrubs reflect the lives that were lived in ‘the Promised Land’. Many prominent factory owners were laid to rest here: the Biedermans, Grohmans, Geyers, Kindermanns, Scheiblers, as well as scientists, actors, artists, national heroes and priests.



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domingo, 26 de julho de 2009

OCASO DE MIM...


Raia o Sol de um novo dia:
- Os pássaros saúdam a alvorada,
as flores se abrem e os rios cantam.

As águas parecem mais cristalinas
e o viver mais intenso!

Assim também foi a minha vida.

Amando loucamente não pensei
que um dia, sozinho, contemplaria
o amanhecer ou as estrelas no Céu.

Já não há um novo começo!

No ocaso da minha vida,
já não há brilho, já não há luz.

As crianças não cantam,
e nem os rios transbordam!

A passarada se despede em bandos,
como se não quisesse ver o fim do dia.

Assim como eu não quero,
nem posso, suportar o meu fim...

Regina Helena

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Vai passar...


"Vai passar, tu sabes que vai passar.Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe?O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como " estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloquentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não.Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar".
Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência. Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia,sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência".

E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer.
E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços. Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio.

E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome,a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos.

Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada.(...)"


Caio Fernando Abreu
de "Requiem para um rapaz triste - A peça"
***

...E decidiu: vou viajar. Porque não morri, porque é verão, porque é tarde demais e eu quero ver, rever, transver, milver tudo que não vi e ainda mais do que já vi, como um danado, quero ver feito Pessoa, que também morreu sem encontrar. Maldito e solitário, decidiu ousado: vou viajar.

(Caio Fernando Abreu)

Sabe...



"Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas as coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? dolorido-dolorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender melhor"

Caio Fernando Abreu
de 'Ovo Apunhalado'
***


"...Gostavam de estar assim, agora sós, donos de suas próprias vidas. Embora, isso não disseram, não soubessem o que fazer com elas"

Caio Fernando Abreu
Aqueles Dois-de 'Morangos Mofados'
Os dragões não conhecem o Paraíso


"Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte.
Dunas, geleiras, estepes. Nunca mais reflexos esverdeados pelos cantos, nem perfume de ervas pelo ar, nunca mais fumaças coloridas ou formas como serpentes espreitando pelas frestas de portas entreabertas.
Mais triste: nunca mais nenhuma vontade de ser feliz dentro da gente, mesmo que essa felicidade nos deixe com o coração disparado, mãos úmidas, olhos brilhantes e aquela fome incapaz de engolir qualquer coisa. A não ser o belo, que é de ver, não de mastigar, e por isso mesmo também uma forma de desconforto.
No turvo seco de uma casa esvaziada da presença de um dragão, mesmo voltando a comer e a dormir normalmente, como fazem as pessoas banais, você não sabe mais se não seria preferível aquele pântano de antes, cheio de possibilidades - que não aconteciam, mas que importa? - a esta secura de agora.
Quando tudo, sem ele, é nada."


Caio Fernando Abreu)
***

"Como um bebê ou um cristal: tome-o nas mãos com muito cuidado. Ele pode quebrar, o momento presente. Escolha um fundo musical adequado - quem sabe, Mozart, se quiser uma ilusão de dignidade. Melhor evitar o rock, o samba-enredo, a rumba ou qualquer outro ritmo agitado: ele pode quebrar, o momento presente. Como um bebê, então, a quem se troca fraldas, depois de tomá-lo nas mãos, desembrulhe-o com muito, com muito cuidado também. Olhe devagar para ele, parado no canto do quarto ou esquecido sobre a mesa, entre legumes, ou misturado às folhas abertas de algum jornal. Contemple o momento presente como um parente, um amigo antigo, tão familiar que não há risco algum nessa presença quieta, ali no canto do quarto. Como uma laranja, redonda, dourada - mas sem fome, contemple o momento presente. Como a cinza de um cigarro que o gesto demorou demais, caída entre as folhas de um jornal aberto em qualquer página, contemple o momento presente. E deixe o vento soprar sobre ele".


Caio Fernando Abreu,
in 'Pequenas Epifanias' (excerto).
***

Fico pensando se viver não será sinônimo de perguntar.
A gente se debate, busca, segura o fato com duas mãos sedentas e pensa: Achei! Achei!
Mas ele escorrega se espatifa em mil pedaços, como um vaso de barro coberto apenas por uma leve camada de louça.
A gente fica só, outra vez, e tem que começar do nada, correndo loucamente em busca dos outros vasos que vê. Cada um que surge parece o último, mas todos são de barro, quebram-se antes que possamos reformular as perguntas.
E começamos de novo, mais uma vez, dia após dia, ano após ano.
Um dia a gente chega à frente do espelho e descobre: Envelheci!
Então a busca termina. As perguntas colam no fundo da garganta, e vem a morte.
Que talvez seja a grande resposta.
A única.


Caio Fernando de Abreu
excerto de 'Limite Branco'

domingo, 30 de novembro de 2008

'Chove. Há silêncio,'



Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...
Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...

Fernando Pessoa
In: Cancioneiro